Teses sobre o perfil das pessoas no sistema da prostituição
Octávio José Rio do Sacramento, Os clientes da prostituição abrigada: A procura do sexo comercial na perspectiva da construção da masculinidade, Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, Julho de 2005. Disponível aqui.
Estudo realizado no contexto do projecto de investigação que coordenou, “Prostituição Feminina em Regiões de Fronteira” e que se circunscreveu ao espaço compreendido entre os eixos transfronteiriços Montalegre – Xinzo de Limia e Bragança – Alcañices/Zamora, através de entrevistas às mulheres na prostituição e a 18 compradores de sexo entre os 19 e 73 anos.
Retrato dos compradores de sexo em contextos de interior nas zonas fronteiriças:
- 40,6% dos clientes mais frequentes de mulheres na prostituição em contextos de interior têm entre 31 e 40 anos, segundo as próprias;
- Os tipos de profissões mais frequentes entre os clientes são: trabalhadores da construção civil e agricultores.
- Mais de 80% dos clientes são, segundo as mulheres na prostituição, casados.
- “…podemos então, a traço grosso, definir o cliente-tipo dominante como sendo um trabalhador por conta de outrem, em particular no sector da construção civil, casado e com uma idade próxima dos 40 anos.” P.86.
José Alexandre Cordeiro Teixeira, Ideação Suicida em Prostitutas de Rua, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (Porto), 7 de Fevereiro de 2011. Disponível aqui.
A amostra deste estudo foi constituída por 52 participantes mulheres, entre os 18 e 36 anos, entre 17 de Dezembro de 2009 e 16 de Março de 2010. A maioria (78,8%) eram portuguesas. O resto das participantes eram da América Latina (11,5%), PALOP (7,7%) e romenas (1,9%). O investigador entrou em contacto com as mulheres através do apoio de várias organizações locais (Espaço Pessoa, Norte-Vida, Auto-Estima, S.A.O.M e Médicos do Mundo.)
- 70% das participantes abandonaram a escola até aos 16 anos de idade e 60% tinham um nível de escolaridade igual ou inferior ao 2.º ciclo.
- A maioria das participantes eram mães (86,5%).
- 70% eram prostitutas há cinco anos ou mais.
- 85% mencionaram necessidades económicas como motivo da entrada na prostituição. Destas, 64% referem-se a carências económicas e dificuldades de subsistência, enquanto 21% tinham necessidade do dinheiro para consumo de droga.
- Seis das mulheres (11,5%) começaram a prostituir-se por influência de chulo ou companheiro.
- 90% das mulheres já desejaram, em algum momento, deixar a prostituição. A falta de alternativas económicas foi o porquê de 88,2% das mulheres continuarem a prostituir-se.
- 56% já tinham sido diagnosticadas com patologias do foro mental. Entre estas, 88,2% foram diagnosticadas com depressão e 13,8% foram diagnosticadas com ansiedade ou stress.
- Em quase 70% das situações, houve acompanhamento médico na altura do diagnóstico, mas apenas 37,9% continuam a ser acompanhadas, apesar da maioria das situações ter ocorrido nos últimos dois anos.
- Há mais mulheres a consumir drogas (32,7%) do que álcool (21,2%), e as drogas mais consumidas são a cocaína, a heroína e o haxixe.
- 94% das mulheres relataram já ter vivenciado algum tipo de violência ao prostituirem-se.
- A violência verbal é a mais relatada (85%), seguida por roubos e furto (75,5%), violência física (55%) e violência sexual (51%). Rapto e entrada forçada em viaturas foram situações relatadas por 24,5% das mulheres.
- 54,3% foram vítimas de algum tipo de violência no último ano.
- 44,2% das mulheres já tinham tentado suicidar-se em algum momento das suas vidas. 30,4% já tinham tentado suicidar-se três ou mais vezes. 60,9% das mulheres tentaram suicidar-se nos últimos quatro anos.
- A maior parte das mulheres tentaram suicidar-se devido a factores familiares (65,2%), outras devido a depressão e stress (30,4%) e apenas 4,3% tentaram o suicídio devido a episódios de violência relacionados com a prostituição.
Maria João Mendes da Cunha, Vivências do corpo na prostituição feminina, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, Setembro de 2012. Disponível aqui.
Recolha de dados através de entrevistas semiestruturadas a 9 mulheres, realizadas nas residências onde exerciam a prostituição nas cidades de Coimbra, Aveiro e Portalegre. Nas primeiras duas cidades, o contacto com as mulheres foi feito através da Associação Existências e na terceira cidade foi feito através de chamadas para números listados em jornais.
Relativamente às causas e motivos para entrada na actividade, todas as mulheres entrevistadas indicaram uma causa de cariz económico. Os motivos por detrás das dificuldades financeiras variaram entre o desemprego, divórcio, separação e/ou falecimento do parceiro. (…) A necessidade de conforto financeiro e a percepção da prostituição como uma actividade potenciadora de um ganho considerável de dinheiro, foi apontada por algumas mulheres como outra das motivações para a entrada.” P.14.
Comum a todas as mulheres, foi também o facto de admitirem que a prostituição, apesar de ser um “trabalho”, traz acoplada uma certa dificuldade na sua manutenção, nomeadamente em termos emocionais e físicos. A partir daqui as percepções das mulheres dividiram-se entre: o reconhecimento de que apesar de ter algumas características menos positivas, a prostituição não deixa de ser uma “profissão” com algumas regalias e vantagens; e a percepção da actividade como uma experiência negativa, independentemente do ganho monetário.” P. 17 (aspas adicionadas pela PpDM)
Ainda que a prática e a experiência tenham ensinado estas mulheres a colocar uma barreira entre a sua vida profissional e pessoal, nem sempre estas o conseguem realizar com sucesso. Existem, por vezes, situações em que admitem continuarem a ter problemas em lidar com o seu corpo, referindo, em alguns casos, sentirem emoções negativas relativamente a si próprias.” P. 21.
Foi comum a todas as mulheres, a afirmação de que durante o acto sexual com os clientes, o seu pensamento diverge daquele momento específico. Durante a relação sexual, estas mulheres admitem fazer o máximo de esforço para não pensarem no sexo com o cliente. Para isso, tentam dirigir o seu foco de atenção para uma série de pensamentos diversos. Estes podem variar entre assuntos banais do seu dia-a-dia, até uma tentativa de se centrarem nos ganhos monetários. Algumas mulheres admitiram ainda que tentam mesmo não pensar e “desligar” da situação.” P.22
Ana Catarina Barroso da Silva, Dentro de Portas – Trabalhadores do sexo em contexto de interior: utilização e acesso a serviços de saúde na área da infecção VIH/Sida, Universidade Nova de Lisboa, Escola Nacional de Saúde Pública, Lisboa, Julho de 2013. Disponível aqui.
A amostra deste estudo é composta por 272 pessoas na prostituição em contexto de interior residentes na área da Grande Lisboa e que estavam abrangidos pelo projeto de intervenção do GAT.
- 52,2% das pessoas prostituídas são mulheres, 31,7% são homens e 16% são transgénero.
- 61,9% das mulheres que se prostituem em contexto de interior são estrangeiras, a maioria das quais (84,0%) são brasileiras. 46,1% das mulheres estrangeiras estão em situação irregular.
- 85,5% das mulheres prostituídas estão desempregadas.
- A maioria das mulheres que se prostitui em contexto de interiores prefere fazê-lo em apartamentos.
Mariana Rogado, O Outro Lado das Migrações, relatório de Estágio apresentado para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Migrações, Inter-Etnicidades e Transnacionalismo realizado sob a orientação científica da Professora Doutora Dulce Pimentel e orientação do estágio da Dr.ª Anabela Coelho. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, janeiro de 2019. Versão corrigida e melhorada após defesa disponível aqui.
Estudo que resultou de um estágio na Associação O Ninho, com duração de seis meses, entre outubro de 2017 e abril de 2018.
Observações relativas à prostituição de rua em Lisboa:
“No Parque, as nacionalidades com mais expressão, são a portuguesa e a brasileira, sendo a portuguesa predominante. (…) A idade média destas mulheres varia entre os 40-50 anos. Muitas delas estão desempregadas, em alguns casos o marido também está desempregado e esta foi a maneira que arranjaram para pagar as contas. Algumas são ex-toxicodependentes e não conseguem emprego devido a esse estatuto. De todas as abordagens que fiz, o valor máximo que registei foi 20 euros, variando os preços entre 10 e 20 euros. Muitas mulheres referiram que cada vez mais homens querem ter relações sem preservativo e que pagam mais por isso.” p. 33-34.
[Martim Moniz e Praça da Figureira] Estas zonas, juntamente com o Rossio, fazem parte da baixa da cidade de Lisboa e estão identificadas como zonas onde existe prostituição. Quando percebem que o negócio não está a “render” vão para Espanha onde permanecem alguns meses, voltando depois para Portugal onde mais uma vez vão ser uma “novidade”. Os preços variam, como já referido, entre os 10 e os 20 euros. Algumas mulheres narraram como gerem este dinheiro. Dos 20 euros, 5 ficam para o quarto da pensão onde levam o cliente, 10 são entregues ao proxeneta (quando existe) e a mulher fica com o restante. (…) Nestes locais detetamos alguma movimentação de proxenetas. Algumas mulheres dizem que são os maridos, mas o controlo que exercem sobre as mulheres (por vezes com um simples assobio) demonstra que existe outro tipo de relação.” p. 36-37.
Observações relativas à prostituição de rua na Reta de Coina e Parque Industrial do Seixal, Península de Setúbal:
“A intervenção na Península de Setúbal, concretamente na Reta de Coina (fig.6) (EN-10), estrada que liga Quinta do Conde a Sesimbra, era a que me criava mais expectativa e acabou por causar maior choque. (…) É uma área de mata de vários quilómetros que se assemelha a uma montra humana.” p. 39.
“A ida a este local requeria sempre da nossa parte um nível de alerta mais elevado do que em qualquer outro. Para além das recolhas, os proxenetas recolhem o dinheiro realizado pelas mulheres que controlam, e também lhes exigem o pagamento de 30 euros por dia pelo “aluguer” do espaço. Tornam-se violentos quando as mulheres não têm o dinheiro para lhes dar, ou quando se recusam a pagar essa quantia alegando que eles não são os donos do terreno. p. 39.
“Neste local há uma grande variedade de nacionalidades. Identificámos brasileiras, romenas, russas, moldavas e portuguesas. O grupo predominante era o das mulheres da Europa de Leste. A idade das mulheres situa-se entre os 20 e os 50 anos, estando as mulheres mais novas na estrada nacional e as mais velhas no Parque Industrial do Seixal.” p. 39.
Artigos teóricos sobre o sistema da prostituição
Susana Silva, “Classificar e silenciar: vigilância e controlo institucionais sobre a prostituição feminina em Portugal.”em Análise Social, vol. XLII (184), 2007, p.789-810. Disponível aqui.
Estudo teórico sobre o controlo da prostituição feminina em Portugal desde o séc. XIX até à 2007.
“O comportamento sexual do «cliente», homem, não é investigado nem alvo de vigilância e de controlo, quer pelas forças policiais, quer pelas instâncias judiciais. Por sua vez, a averiguação e a classificação do passado e do presente comportamento «moral, económico e social» das mulheres — que, subtilmente, é tornado sinónimo de comportamento sexual — projectam as prostitutas para a base da «hierarquia de credibilidades» no conjunto dos cidadãos envolvidos em processos de investigação de paternidade de menores.” P.808.
Boaventura de Sousa Santos, Conceição Gomes e Madalena Duarte, “Tráfico sexual de mulheres: Representações sobre ilegalidade e vitimação”, em Revista Crítica de Ciências Sociais, 87, 2009, p.69-94. Disponível aqui.
Artigo que problematiza o enquadramento de algumas situações de tráfico de mulheres para exploração sexual em Portugal e que é inspirado na reflexão teórica e recolha empírica do livro Tráfico de mulheres em Portugal para fins de exploração sexual, de Boaventura de Sousa Santos, Conceição Gomes, Madalena Duarte e Maria Ioannis Baganha (2008).
“Segundo a experiência de muitas pessoas entrevistadas, a maior parte das mulheres brasileiras que acaba por se encontrar numa situação de tráfico, tal como a lei a define, deu inicialmente o seu consentimento para trabalhar na prostituição como estratégia migratória, acabando por cair numa situação de forte exploração. As situações extremas de logro – em que a mulher não sabia que seria forçada a trabalhar como prostituta ou em que a mulher não sabia que seria forçada a trabalhar como prostituta ou em qualquer outra actividade de índole sexual – referem‑se sobretudo a mulheres de outras nacionalidades, em particular mulheres da Europa Central e de Leste, asiáticas e africanas.”