Renate van der Zee

Renate van der Zee (57 anos) é uma jornalista, escritora e ativista feminista holandesa. Escreve para jornais e revistas holandesas de referência e para o jornal inglês The Guardian.

O seu foco principal são os direitos das mulheres. Realizou investigações extensas sobre a indústria do sexo holandesa e escreveu vários artigos e livros sobre tráfico humano e prostituição.

Considera que a legalização (de acordo com o modelo holandês de 2000) não é uma solução para o problema social da prostituição e é uma defensora do modelo sueco.

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Em 2000, o governo holandês decidiu legalizar a prostituição. O objetivo era melhorar a posição das mulheres na prostituição e combater o tráfico humano, prostituição ilegal e prostituição de menores.

Praticamente, significava que a velha proibição contra os bordéis foi eliminada. Tornou-se possível gerir legalmente um bordel – se o dono pedisse uma licença e respeitasse uma série de regras, as mais importantes das quais proibiam empregar raparigas menores e mulheres sem documentos. Os donos de bordéis seriam submetidos a controlos regulares pela polícia.

A filosofia por detrás desta medida era que seria possível dividir a indústria do sexo em dois mundos diferentes: o mundo da prostituição forçada e o mundo da prostituição livre ou voluntária.

Claro, a prostituição forçada era considerada problemática e os holandeses queriam abordar esse problema através de uma lei contra o tráfico humano.
Mas a prostituição “livre” era vista como uma coisa em relação à qual não devíamos ser moralistas. Era considerada uma escolha da mulher e acreditava-se que as mulheres deviam ser livres para fazer essa escolha. De acordo, com o governo holandês, teria de ser considerada uma forma de trabalho.

A legalização da prostituição foi vista como uma abordagem pragmática. A prostituição foi considerada um fenómeno inevitável e a melhor coisa que se poderia fazer era tentar reduzir os seus efeitos prejudiciais.

Ao legalizar os bordéis, regulamentá-los e submetê-los a inspeções regulares, os holandeses queriam criar um “setor limpo da prostituição” onde as mulheres pudessem trabalhar livremente, sem constrangimentos de proxenetas.

A ideia era que, se a prostituição pudesse ser normalizada e considerada trabalho, o estigma iria desaparecer e as mulheres poderiam tornar-se independentes, empregadas por conta-própria e contribuintes para os impostos. Tornar-se-iam empreendedoras que podiam ser autossustentáveis e os proxenetas iriam simplesmente desaparecer – pois “as mulheres já não precisariam deles”.

Esta mudança de política foi defendida pelos partidos de esquerda e feministas, que afirmavam que as mulheres deviam ter “o direito de fazer com os seus corpos aquilo que quisessem”.

Foram completamente cegas e cegos ao facto de que a maioria das mulheres na prostituição são extremamente vulneráveis e não podem fazer com os seus corpos o que querem, simplesmente porque os proxenetas não as deixam.

O sistema holandês foi baseado em falsas premissas. Isto fez com que o Ministro do Interior Lodewijk Asscher afirmasse, anos mais tarde: “Fomos repreensivelmente ingénuos ao legalizar a prostituição”.

A primeira falsa premissa era a de que seria possível fazer a divisão entre prostituição forçada e prostituição livre.

A esmagadora maioria das mulheres na prostituição não estão nem acorrentadas à cama nem são “prostitutas felizes”. Pertencem à vasta área cinzenta de mulheres que são enganadas ou manipuladas a entrar na prostituição, muitas vezes porque experiências prévias de violência doméstica ou sexual, ou a experiência de ser sem-abrigo as tornaram extremamente vulneráveis.

Não podemos simplesmente dizer: vamos combater o mundo da prostituição forçada e limpar o mundo da prostituição voluntária – porque não há uma tal distinção. Não são dois mundos diferentes. São uma única indústria do sexo, e, dentro dela, está tudo interligado.

Em segundo lugar: obrigar os donos de bordéis a obter licenças e submetê-los a regulamentos e controlos policias não faz com que os proxenetas desapareçam. O tráfico humano pode continuar facilmente apesar de controlos policias. É fácil ver se uma mulher tem passaporte, mas mais difícil provar que está nas mãos de um proxeneta.

Então, após a legalização, os proxenetas simplesmente continuaram as suas atividades. E os donos de bordéis que não queriam obter licenças e respeitar vários regulamentos, simplesmente desapareciam na clandestinidade.

E esse é o terceiro problema com o sistema de legalização holandês: só se aplica a donos de bordéis com licenças, mas não faz nada para abordar a prostituição sem licença. Que é, de acordo com a polícia holandesa, um setor em crescimento.

O que os holandeses queriam fazer era impossível: simplesmente não se pode criar um setor de prostituição limpo. Não se pode normalizar a prostituição. Simplesmente porque o ato de comprar sexo nunca poderá ser normal. É uma expressão de desigualdades profundas entre mulheres e homens, pobres e ricos, brancos e negros. Não se pode normalizar esta desigualdade, tal como não se pode normalizar a escravatura.

A indústria do sexo é uma indústria onde uma quantidade incrível de dinheiro pode ser feita. Isto irá sempre atrair o crime organizado. Não se vence o crime organizado ao legalizar os bordéis onde operam. De facto: a legalização não tornou as coisas mais difíceis para o crime organizado. Pelo contrário: podem simplesmente colocar as suas mulheres em bordéis legais e licenciados e explorá-las como quiserem. Só têm de se assegurar que as mulheres não são menores ou sem documentos. É fácil. Acontece a toda na hora na indústria holandesa do sexo.

Os holandeses acreditam que a sua abordagem era pragmática, mas na verdade era baseada numa imagem idealizada das mulheres na prostituição. Subestimou totalmente o poder do crime organizado na indústria do sexo. Não fez absolutamente nada para reduzir os malefícios.

Após 20 anos de legalização, vários governos e relatórios policiais têm demonstrado que esta abordagem não melhorou a posição de mulheres na prostituição e não diminuiu o tráfico humano.
Há um consenso geral hoje em dia na Holanda de que a legalização foi um falhanço. Desde 2008, o governo tem discutido uma nova lei da prostituição – porque a legalização simplesmente não funcionou.

Quando a Amnistia Internacional defendeu a descriminalização total da prostituição no verão de 2006, o relator nacional sobre tráfico humano criticou a organização de direitos humanos, dizendo que não há prova nenhuma de que a legalização da prostituição é uma política efetiva.

Um questionário recente da organização holandesa SOA Aids mostrou que 90% das pessoas na prostituição sofrem de violência. Um relatório recente do Tribunal de Contas de Amsterdão concluiu que o tráfico humano ainda ocorre regularmente nos bairros vermelhos da cidade. Essa é a realidade da legalização.

Amesterdão continua a ser um destino importante para traficantes de seres humanos e a legalização não fez nada por mudar isso. De facto, há especialistas que acreditam que o tráfico humano tem crescido desde a legalização.

Os rapazes na Holanda crescem com a ideia de que comprar sexo é uma coisa que se faz. É legal, não é? A presença de prostituição nas montras no meio de vários cidades holandesas é um encorajamento para os homens usarem mulheres. Ao legalizar a prostituição, o governo holandês fez uma afirmação: aceitamos a prostituição como um fenómeno inevitável na nossa sociedade. Isto tem um impacto na mentalidade de homens relativa à igualdade entre mulheres homens.

O que precisamos é de uma política que lide com o comprador de sexo e que assegure que os homens saibam o que estão a fazer quando compram sexo. A prostituição é uma indústria que é conduzida pela procura – por isso, temos de a abordar acima de tudo, tal como a Suécia o faz. Ao contrário de muitas feministas holandesas que vêem a prostituição como uma escolha livre das mulheres, as feministas suecas percebem que a prostituição só é uma escolha livre para o comprador.

O que é preciso também é educação sexual que ensine aos rapazes que comprar sexo não é algo que se possa fazer. Isso ensina-lhes de que as mulheres não podem ser objetificadas e que os seus orifícios não podem ser comprados.

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