Natacha Machado Amaro, 43 anos, Técnica Superior, natural de Lisboa. Licenciada em Relações Internacionais e Pós-Graduada em Estudos Europeus, esteve ligada ao Parlamento Europeu durante 10 anos.
É eleita pelo PCP na Assembleia Municipal de Lisboa, desde 2013, sendo neste mandato membro suplente na Comissão de Direitos Sociais e Cidadania.
Envolvida há vários anos na luta pelos direitos das mulheres, foi dirigente do Movimento Democrático de Mulheres de 2005 a 2014.
Comunicação na sessão Da política à prática – por um real impacto
A resolução em questão foi proposta pelo PCP, integrada num conjunto de propostas apresentadas na Assembleia da República, no âmbito do Dia Internacional da Mulher, e sendo sobre o combate ao empobrecimento e à agudização da pobreza entre as mulheres, incluía na parte deliberativa uma recomendação ao Governo para criar “um Plano de Combate à Exploração na Prostituição, garantindo, nomeadamente, o acesso imediato das pessoas prostituídas a um conjunto de apoios que lhes permitam a reinserção social e profissional, designadamente através de um acesso privilegiado a mecanismos de protecção social (rendimento social de inserção, apoio à habitação, à saúde, elevação da sua escolarização e acesso à formação profissional) bem como à garantia de acesso privilegiado dos seus filhos aos equipamentos sociais”. O PCP apresentou esta proposta com uma abordagem abrangente das questões da pobreza, tendo em conta o contexto social e económico bastante duro, que se vivia no país. Este contexto empurrava mulheres trabalhadoras para situações de pobreza e as mulheres já pobres para uma ainda mais aprofundada pobreza. A consequência, naturalmente, foi a crescente dificuldade de mulheres prostituídas em sair da prostituição ao mesmo tempo que aumentava o número de mulheres que se prostituía pela primeira vez.
Mas, ao longo dos anos, muitas outras propostas foram sendo feitas pelo PCP, nesta matéria. Pouco tempo depois dessa foi apresentada uma Recomendação ao Governo para o reforço de medidas de combate ao tráfico de seres humanos e à exploração da prostituição que decorria não só da nossa própria convicção do muito que havia a fazer mas também das acções e informações que nos iam chegando das organizações de mulheres que, há muitos anos, acompanham a temática (MDM, O Ninho, Lobby Europeu de Mulheres). Esta proposta de resolução seria chumbada, com a particularidade de um dos seus pontos (o que propunha a eliminação de todos os documentos, campanhas ou outros instrumentos da referência à falsa distinção entre prostituição forçada e “voluntária” bem como do tratamento desta violenta realidade como se de uma profissão se tratasse) ser chumbado com os votos de TODOS os partidos à excepção do PCP e dos Verdes.
A recomendação inicialmente referida foi aprovada em 2013 mas a verdade é que nunca passou do papel. Tanto o actual Governo do PS como o anterior do PSD/CDS-PP, que estava em funções à data da aprovação, nada fizeram para a consubstanciação do Plano. Na verdade, sucessivos governos têm menosprezado a questão da prostituição, sobrepondo à acção governativa as suas posições ambíguas sobre a matéria, resistindo sempre a inscrever a prostituição como uma aviltante forma de violência, ao arrepio inclusivamente de todo um quadro jurídico existente. Em Portugal, temos a Constituição da República e um Código Penal, para além de um conjunto de Convenções Internacionais já ratificadas. O Código Penal português tipifica o lenocínio e o que se esperava dos sucessivos governos era uma acção clara em defesa da vítima, pela sua protecção. O PCP e o Bloco de Esquerda (BE) são os únicos partidos com posições firmadas e publicamente anunciadas (sendo antagónicas) sobre a prostituição. O “vazio” decorrente da ambiguidade nas posições dos restantes partidos tem levado a que se consigam consensos na violência doméstica, por exemplo, que contam com o apoio do PCP, mas não na prostituição. É como se a violência doméstica fosse uma forma de violência que urge combater, mas a prostituição, não.
A aprovação de uma recomendação sobre o “Plano de Combate à Exploração na Prostituição” há 5 anos, sem que nada tenha sido feito, evidencia um outro posicionamento político que importa notar: a tentativa de fazer passar concepções como “prostituição voluntária” por oposição a uma “prostituição forçada”, não a inscrevendo, como seria fundamental, entre as mais graves formas de violência e exploração sobre e contra as mulheres.
Nessa falsa dicotomia entre a prostituição que é “voluntária ou consentida” e a que é “imposta ou forçada” dilui-se a exigência de prevenção e combate a esta aviltante forma de violência e a protecção e acompanhamento das pessoas prostituídas.
Assim, vemos ser aprovado, há menos de 3 meses e pelo actual Governo, um Plano de Acção para a Prevenção e o Combate ao Tráfico de Seres Humanos 2018-2021, que tem toda a importância mas que, ao mesmo tempo, concorre para a referida mistificação: agir sobre a tal “prostituição forçada” enquanto se mantém na gaveta o afrontamento à exploração na prostituição nos termos que a recomendação de 2013 previa. Seria essencial adoptar o referido Plano de Combate à Exploração na Prostituição bem como um conjunto de outras medidas que o PCP tem proposto e defendido, ao longo dos anos, e que continuam por aprovar: uma rede pública de centros de apoio e abrigo, a criação de uma linha telefónica, o reforço das campanhas de sensibilização, a alteração do Código da Publicidade, o reforço de meios para o Observatório do Tráfico de Seres Humanos, entre muitas outras.
Do nosso ponto de vista, as causas mais profundas da prostituição mantêm-se e até algumas se agravaram. É um problema social que acompanha e se aprofunda no quadro do capitalismo; que é inseparável dos mecanismos de exploração, opressão e violência exercida sobre as mulheres; que se baseia numa organização social em que as classes dominantes se sobrepõem às classes exploradas, subalternizando o papel das mulheres. Perante a agudização da crise estrutural do capitalismo (com uma gigantesca concentração do capital e da riqueza, um brutal agravamento da exploração e ofensiva contra os direitos sociais, o domínio do capital financeiro sobre a economia, o ataque às liberdades e aos direitos democráticos) naturalmente agudizam-se também as injustiças e desigualdades sociais, a pobreza e a exclusão social, a menorização do estatuto das mulheres. A prostituição não pode ser desligada de todas estas questões e há uma responsabilidade efectiva de todos os partidos políticos na sua resolução. O PCP, ao longo dos anos, tem procurado assumir as suas responsabilidades. É necessário que outros partidos também o façam.
Para o município de Lisboa, o PCP definiu as suas prioridades nesta matéria de forma bastante clara: no seu programa eleitoral para as últimas eleições autárquicas, que se realizaram há quase um ano, existe um sub-capítulo com o título “O combate à exploração na prostituição e ao tráfico de seres humanos” que preconizava, entre outras questões, o objectivo de Lisboa ser uma cidade empenhada na rejeição da exploração na prostituição bem como de qualquer tentativa de regulamentação do negócio da prostituição; o apoio a programas específicos de formação profissional e de emprego para pessoas vítimas de tráfico e prostituição e de campanhas de sensibilização. Este posicionamento político inequívoco por parte do PCP decorre de um longo trabalho no acompanhamento da problemática geral da prostituição mas também, em concreto, do que acontece na capital, como têm evoluído os fenómenos ligados à prostituição e ao tráfico e, acima de tudo, com uma profunda reflexão sobre o papel do poder local democrático no combate a esta inaceitável forma de violência. Assim, fomos preparando ao longo deste mandato um conjunto de propostas a apresentar aos órgãos autárquicos da cidade que corporizassem estes objectivos e aspirações.
A questão da terminologia “trabalho sexual” veio precipitar essa discussão e, de certa forma, descentrá-la. A partir do momento que o vereador da CML responsável pela área social, eleito pelo BE, entendeu convocar, em Abril passado, a primeira reunião de uma Plataforma Local na área do Trabalho Sexual, tornou-se imperativo intervir e travar esta tentativa de tratar a prostituição como uma actividade profissional, no quadro do trabalho autárquico desenvolvido em Lisboa. Esta iniciativa do BE surgiu de forma totalmente abusiva, particularmente tendo em conta o trabalho desenvolvido pelo município de Lisboa ao longo dos anos, nomeadamente com organizações como O Ninho ou o MDM que têm uma posição sobejamente conhecida, e também impositiva por não representar um sentimento transversal à população da cidade.
Apesar dos protestos de algumas organizações convocadas para essa reunião e dos eleitos do PCP que, imediatamente em sessão da CML, questionaram o vereador e o executivo sobre as intenções de tal denominação, os desígnios do vereador mantiveram-se, procurando-se criar a ideia de estarmos apenas perante problemas de semântica, de uso de vocabulário. Em diversos momentos e espaços (CML e AML), os eleitos do PCP procuraram rechaçar esta perspectiva de desvalorização do uso do termo, propondo a sua inequívoca não utilização bem como recentrar a acção do município na área da prostituição na perspectiva do apoio e protecção às pessoas prostituídas, da promoção de programas de formação profissional e reinserção social. Esta é a base da recomendação referida, proposta pelo PCP e aprovada na AML, em Junho passado. É tão preocupante um município ou apenas um vereador entender que pode na sua acção subverter todo um enquadramento legal nacional como a ideia de, por via da actividade municipal e com um impacto directo em jovens e nas escolas, se disseminar uma imagem totalmente errada da prostituição, tornando-a banal, normal, comum.
Mas demos também continuidade ao que nos propusemos em sede de programa eleitoral e apresentámos na CML, também em Junho passado, uma proposta de Estratégia Municipal de Intervenção na Área da Prostituição, que ainda não foi agendada nem votada. Esta Estratégia inclui várias dimensões que, para nós, são fundamentais no caminho para a eliminação daexploração na prostituição: a realização de um estudo sobre a prostituição na cidade de Lisboa, o alargamento dos programas de formação profissional e de emprego para pessoas prostituídas, as acções de sensibilização com eleitos e trabalhadores do município, as medidas facilitadoras do acesso das pessoas prostituídas a um conjunto de apoios sociais, o apoio a organizações que no terreno trabalham com esta temática, entre outras. Acreditamos que esta Estratégia, a ser aprovada, poderá ser um contributo muito importante do município. Respondendo à pergunta inicial, do ponto de vista local, aqui em Lisboa, consideramos que esta Estratégia Municipal de Intervenção na Área da Prostituição deverá ser implementada e cumprida quanto antes. Será um marco fundamental não só no combate efectivo e concreto à exploração na prostituição em Lisboa como poderá ser um exemplo e um incentivo para outros municípios também intervirem de forma activa nesta matéria.
Para o PCP, o combate à exploração na prostituição continua a ser uma causa justa e actual, essencial na luta das mulheres pela efetivação da igualdade e na luta mais geral pela liberdade e democracia, pelo progresso, a justiça e a paz. E é aí que sempre nos encontrarão, no Parlamento Europeu, na Assembleia da República, nos municípios, junto das populações, na luta pela igualdade e combatendo a exploração na prostituição.