Catríona Graham

Catríona Graham é Responsável de Política e Campanhas no Lobby Europeu das Mulheres, a maior coligação para direitos das mulheres na Europa. Catríona coordena as campanhas de sensibilização do Lobby para acabar com o comércio sexual, focando-se na prostituição, pornografia, e apoio às mulheres para terem acesso a direitos de saúde sexual e reprodutiva. Catríona também se concentra sobre as experiências de asilo e migração de mulheres e raparigas.

É membro da direção do National Women’s Council (Irlanda) e trabalhou no Immigrant Council of Ireland, onde coordenou a campanha Turn Off the Red Light para a implementação do modelo nórdico na Irlanda.

Fez voluntariado com a Ruhama, apoiando mulheres afectadas por prostituição, e trabalhou na Children’s Rights Alliance.

Catríona acredita que todas as mulheres e raparigas deviam ser apoiadas para atingir o seu potencial, para conseguirem viver uma vida livre de violência, abuso e opressão.

Considerações finais

Hoje ouvimos mais de vinte oradoras/es, com várias perspectivas incluindo as de experiências vividas na prostituição, ativistas de direitos das mulheres, investigadoras/es, pessoas com poder de decisão política e representantes de partidos políticos. Foi uma discussão sobre o contexto global, europeu, nacional e local do sistema da prostituição.

Vimos que embora a prostituição possa ter um impacto individual muito significativo, muitas vezes durando uma vida, é um sistema de exploração e opressão, requerendo por isso uma análise e resposta sistémicas.

No início da conferência, Rachel Moran, sobrevivente da prostituição disse “Não sabem o que não sabem”. Portanto, após este produtivo dia de intervenções de especialistas e debates, o que podemos ter a certeza que sabemos agora?

Sabemos que embora governos de diferentes países tenham criado variados sistemas legais em resposta à prostituição, existem elementos comuns na realidade do sistema da prostituição:

A prostituição é predadora dos membros mais vulneráveis da nossa sociedade.

É um sistema racista, sexista, classista. Ouvimos hoje que a idade média de entrada na prostituição é apenas de 14 anos. Observámos que não há diferença nas experiências da pessoa prostituída entre os 17 e os 18 anos – se consideramos que a prostituição infantil é errada, não podemos considerar que outros aspetos do sistema são aceitáveis. Muitas pessoas no sistema da prostituição foram vítimas de abuso sexual, violência doméstica e/ou viveram em situação de sem-abrigo. Muitas/os tornam-se viciadas/os em substâncias ilícitas como forma de lidar com a situação. A pobreza é a força motriz; quando não é oferecido às mulheres apoio ou emprego, são forçadas a vender serviços sexuais embora 9 em cada 10 mulheres gostassem de sair da prostituição caso tivessem essa alternativa.

A prostituição é um problema de desigualdade de género, em que os homens reivindicam o direito sexual de explorar mulheres.

A vasta maioria daquelas afetadas pela prostituição são mulheres e raparigas, e a vasta maioria é migrante. As mulheres e raparigas migrantes enfrentam grandes exclusões, o que faz com que escapar aos seus agressores se torne muito mais complexo. O crime organizado internacional controla a sua localização; são deixadas sem nenhum sistema de apoio; não falam a língua local; são regularmente transportadas entre locais para que não possam fazer ligações, não sabem em quem confiar e os proxenetas e traficantes continuam a gozar de um negócio lucrativo. A vasta maioria daqueles que lucram com o sistema da prostituição são homens. Até 98% dos compradores são homens, a maior parte estando numa relação amorosa, têm formação e têm uma profissão. Comparem isto com a experiência de uma mulher ou rapariga afetada pela prostituição e as desigualdades de poder tornam-se evidentes.

Sabemos que é impossível remover os malefícios da prostituição.

Sabemos que é impossível separar tráfico e prostituição.

Ouvimos hoje duas respostas diferentes à violência, estigma e desigualdade na prostituição: alguns países têm tentado torná-la empoderadora; outros reconheceram que a prioridade deve ser acabar com a exploração na prostituição e oferecer a mulheres, raparigas e a todas/os aquelas/os afetadas/os opções alternativas.

Vimos que nos primeiros – países como a Nova Zelândia, a Alemanha, a Holanda – à medida que a escala da indústria sexual aumenta, a violência aumenta também. Na Alemanha, mais de 50 mulheres foram assassinadas por compradores de sexo desde que o comércio sexual foi legalizado em 2002. O estigma continua a existir, o sistema piora, as escolhas são reduzidas. Ouvimos de sobreviventes e ativistas a violência brutal, as atitudes sexistas normalizadas, a proliferação de proxenetas, a pressão para tomar riscos e uma falta de serviços e apoios de saída. Neste sistema, o Estado tornou claro à população que não reconhece a prostituição como prejudicial, e por isso não investe em estratégias de saída, serviços de apoio e de formação da forma que seria necessário para dar alternativas sustentáveis a mulheres e raparigas afetadas.

Por outro lado, em 1999, a Suécia introduziu uma nova resposta à prostituição, que foi inovadora pois desafiava a desigualdade de poder na prostituição ao criminalizar o comprador de sexo, os proxenetas e os traficantes, ao mesmo tempo que descriminalizava aquelas/es afetadas/os pela prostituição. Este sistema permitiu criminalizar os abusadores e através do reconhecimento dos malefícios da indústria sexual, justificar investimento na reintegração das mulheres e serviços de apoio, incluindo saúde, educação, saída da prostituição, emprego, autorização de residência e serviços de habitação, entre outros. É uma afirmação pública de que é inaceitável que uma pessoa use a pobreza de outra para a sua própria gratificação sexual. Este modelo tem um impacto positivo na igualdade de género na própria sociedade.

É crucial atingirmos a procura de serviços sexuais, para que os proxenetas e traficantes não recorram à prostituição e exploração de mulheres, raparigas, pessoas trans, rapazes e homens. Temos de reconhecer que, independentemente de haver ou não uma terceira pessoa envolvida, a desigualdade de poder entre comprador e pessoa prostituída significa que quem vende estará sempre em risco, e que temos de responsabilizar o comprador.

Então, o que podemos fazer para conseguir isto em Portugal?

Devemos querer mais.

Precisamos de uma visão coletiva e nacional em que os direitos são efetivados para todas/os. Esta visão tem de incluir proteção, policiamento, saúde, ONGs, atores nacionais e locais. Todos estes atores devem juntar-se, colaborar e trabalhar para uma mudança sistémica. Temos de identificar líderes políticas/os que sejam corajosas/os, que falem abertamente, que empreendam as mudanças de longo curso necessárias a reformas sustentáveis. Os meios de comunicação devem reconhecer o seu papel, não só na perpetuação de estereótipos e na objetificação das mulheres, mas também o poder que têm em influenciar a opinião pública, mostrando a realidade da prostituição. As ONGs têm de trabalhar com sobreviventes, partidos políticos, investigadoras/es, jornalistas e aliadas/os inesperadas/os para assegurar que a mudança acontece, respondendo não só aos desafios de curto prazo, mas também às raízes do problema que levam as mulheres e raparigas a estar em risco de aliciamento e exploração.

Devemos fazer mais.

Devemos ter uma visão clara e uma estratégia para que esta se realize, com uma noção clara dos passos a dar e quem deverá estar involvida/o. Precisamos fazer investigação para melhor conhecer a realidade da prostituição em todas as comunidades do país, quem lucra, qual é o perfil das pessoas envolvidas e as necessidades das pessoas afetadas. Temos de colaborar, agir e mobilizarmo-nos publicamente. Devemos erguer as vozes das pessoas que são mais diretamente afetadas: mulheres e crianças com experiências vividas na prostituição. Temos de investir: tempo, recursos, dinheiro, capacidades.

Devemos lembrar-nos de que por cada dia em que a lei é adiada e não é implementada, cada dia milhares de mulheres e raparigas têm necessidade de ajuda, são violadas, exploradas, magoadas. Cada dia de atraso põe em risco vidas.

Como disse a Sabrinna Valisce, sobrevivente do sistema da prostituição, os argumentos a favor da descriminalização que ouvimos na conferência são de há 25 anos atrás. Não podemos cometer os mesmos erros que a Nova Zelândia: sabemos fazer melhor do que isso agora. Vamos ter querer mais, devemos saber fazer melhor.

Sabemos qual é o problema. Como disse a Rachel Moran “As mulheres precisam de esperança, precisam que nós digamos “sim, podemos ajudar”. Uma solução numa só frase? Implementem o modelo nórdico”.

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